quarta-feira, outubro 18, 2006

Mete gelo, que isso passa...

Vejo-me obrigada a desviar-me do estilo deste blog para vos contar mais uma história hilariante: não é daquelas que só acontecem aos outros, é daquelas que só acontecem a mim.
Há um mês atrás parti o quinto dedo (como os médicos insistem referir na sua sapiência intocável) da mão esquerda. Isto aconteceu a saltar ao eixo (esta é uma das partes incríveis da história). Não fui logo ao médico porque quando ousei supor que tinha o dedo partido disseram-me: "Mariquinhas, que disparate...mete gele, que isso passa."
No dia seguinte, em Santarém, o ortopedista de serviço pôs-me uma tala no dedo e recomendou-me que a mantivesse durante três semanas, e que depois de a tirar tivesse muito cuidado para não voltar a partir o dedo, pois no mês seguinte seria muito provável.
No Centro de Saúde da Golegã, onde fui dias depois a conselho do ortopedista, uma enfermeira, que me trocou a ligadura meio a medo e sem certezas do que estava a fazer, disse-me que ao fim das três semanas podia tirar a tala em casa e seguir a minha vidinha. O meu médico de família confirmou este procedimento e ainda acrescentou: "mete gelo que isso passa".
Ao fim de três semanas eu tirei a tala, em casa. O meu dedo estava torto, muito torto. Duro, imóvel e negro.
Eu estranhei, a minha mãe também, todos estranharam.
Suspeito.
Atentando ao discernimento das pessoas que me rodeiam decici fazer um novo raio-x, desta vez no Entroncamento. O médico que analisou o raio-x no serviço de urgências fez má cara quando olhou para o monte de ossos que se agregam na minha mão esquerda. "Vá a um ortopedista, o mais rápido possivel, isto não está nada bom, nada bom...", recomendou-me.
Segunda-feira, Santa Maria. Chuva infernal na rua. Macas, cadeiras de rodas, serviço de urgências entupido. Conto esta história toda no seriço de triagem. Dão-me uma pulseira verde que não consegui por sozinha, já que a minha mão esquerda já teve melhores dias. Envergonhada, peço ao segurança para me ajudar.
De pulseira verde no pulso (depois de descer de nível, já que há três semanas era amarela), cartas do médico, radiografias e muita desorientação pelos longos corredores do famoso hospital, eis que sou chamada. Entro no consultório. Dois médicos, uma enfermeira, uma auxiliar e dez jovens estagiários de medicina, ordenados em fila indiana, a assistir às consultas.
Num tom divertido o médico pede-me para contar a minha história. Contei-a, outra vez.
"Ah pois é, isto não está nada bom!", exclamou enquanto olhava as radiografias e o colega simultaneamente, num olhar que queria dizer muito, mas que eu não percebia.
"Lembram-se disto?", pergunta virado para os alunos, "falámos disto na aula passada."
A questão foi a seguinte: o primeiro ortopedista não conseguiu tratar-me o dedo, a função básica deste especialista, acho eu.
"Ele deveria ter-lhe posto do dedo no sítio antes de pôr a tala. Agora já solidificou, mas torto. Vamos ter de mexer...isto já não deve dar para partir facilmente...", disse. E antes que eu percebesse alguma coisa , já estava agarrado ao meu dedo a tentar partir o osso mal recuperado.
"Veja lá o que vai fazer, isso dóóóóóói", disse-lhe.
"Oiça lá, não confia em mim porque sou médico ou porque sou homem?", questionou-me. Sorri e não respondi, afinal não era uma pergunta fácil.
Enquanto isto, os estagiários continuavam em fila, ordenados, de braços cruzados, com ar sério.
Finalmente o médico desistiu de tentar partir-me o dedo.
"Simule que está a beber um café e agarra a chávena com a mão esquerda."
Eu simulei.
"Está a ver o estilo que iso lhe dá, com o dedo esticadinho?!", foi com este disparo que os estagiários desmontaram a sua seriedade e se riram.
"Você vai já para a ortopedia. Depois não se vá embora sem me vir contar quando é operada e o que o meu colega lhe disse", pediu, mostrando uma curiosidade característica de vizinha velha.
Mais uma fila, mais um papel, mais uns acamados a gemer em mais um corredor. Chega a minha vez. Contei a minha história, outra vez.
"Tem de ser operada. Mas não pode ser já, o seu dedo está a sofrer de uma rigidez que lhe afecta toda a zona lateral da mão (isso eu já tinha percebido). Faz um mês de fisioterapia e depois é operada. Vamos pôr uns parafusos no dedo durante seis meses, e depois serão retirados."
Esta foi a última sentença.
Eu só parti um dedo.
O médico insinuou que me faltvam parafusos.